sexta-feira, 15 de maio de 2015

O GEBO E A SOMBRA

 
Título original: Gebo et l'Ombre
De: Manoel de Oliveira
Com: Claudia Cardinale, Jeanne Moreau, Leonor Silveira, Ricardo Trêpa, Luís Miguel Cintra
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Outros dados: POR/FRA, 2012, Cores, 95 min


Gebo é um homem velho, honesto e pobre, patriarca de uma família subjugada pela rotina e pelo senso do dever. Vive com sua esposa Doroteia , uma mulher que não aceita a realidade, empurrando em cima de Gebo e sua nora um pacote de intermináveis mentiras e suposições sobre seu filho João, desaparecido. Um homem sem ambição, Gebo frequentemente lamenta, mas em poucos instantes volta a se conformar com a vida que leva. A única felicidade no cenário frio e escuro é uma maleta cheia de dinheiro suficiente para que eles mudem de vida para sempre. Gebo é contador e presta serviço para algumas empresas, levando uma boa quantidade deste para seu lar todos os dias.
Quando o filme começa vemos Sofia, a nora, de costas e olhando pela janela. O mundo lá fora é reduzido a uma rua de paralelepípedos e muita névoa. Os takes exteriores são raros, e a luz do sol, que nunca entra na casa, representa a vida que eles tentam evitar. A câmera muitas vezes foge da janela e da porta, deixando o clima impregnado. O cenário obscuro é o túmulo daquela família, preenchido somente por goles de café, biscoitos secos e vizinhos sem vislumbre.

Gebo e a Sombra, dirigido por Manoel de Oliveira, é baseado num famoso texto teatral  do  português Raul Brandão. Sua estética lembra as peças de Tchekhov, em toda a sua desesperança e diálogos longos que dizem bem mais que as ações. Algo experimental e profundo.
Para Gebo, o sentido da vida é baseado nos deveres. Ele se sente obrigado a apoiar e proteger os delírios de sua esposa e a tristeza de sua nora por ter sido abandonada. Para Gebo, boa sorte é quando nada acontece. Repetição e rotina são zonas de conforto. Neste caso, subir de cargo na empresa em que trabalha. Riqueza circula em torno dele, mas nunca se acumula por se tratar de dinheiro dos outros, malas de dinheiro que são destinadas às contas bancárias, nenhuma de seu próprio bolso.

O filme trata sobre dinheiro e sobre a real felicidade, tudo isso contado num conjunto claustrofóbico onde seis personagens jogam apaticamente ao redor de uma mesa e, como sempre, enquadrados por uma câmera bem fixa e planos sequências longos.

Quando a luz solar penetra finalmente a casa, seguida por uma expressão paralítica de Gebo já na última cena, entendemos que João, o filho, é na verdade a sombra do próprio pai.

Acontece que João, na calada da noite, rouba o dinheiro da empresa do pai e desaparece mais uma vez, deixando sua mãe desnorteada. Para inocentar João, o pai entrega-se a polícia e é preso, fingindo ser o verdadeiro ladrão. Na peça de Brandão, no entanto, o pai cumpre a pena na cadeia e retorna anos depois convertido ao crime e a ganância.




sábado, 21 de março de 2015

Os Boxtrolls e Operação Big Hero


As animações Operação Big Hero e The Boxtrolls foram consideradas as principais concorrentes tanto do Oscar quanto Annie Awards, premiação específica do gênero realizada em janeiro. O mais curioso, no entanto, é o quanto os dois filmes são tecnicamente diferentes entre si e similares ao ressaltarem o valor da família. Enquanto o primeiro utiliza uma paleta de cores vivas e fortes, o segundo usa tons mais sombrios e escuros.
Apostando em uma equipe dos quadrinhos da Marvel não tão conhecida pelo grande público os estúdios Disney encontram um enredo propicio para explorar os pontos característicos de suas animações como, por exemplo, o humor através de personagens carismáticos, os lanços familiares - que vem ganhando força nos filmes da Disney em comparação com o amor romântico, que era ponto da produtora há alguns anos atrás - e uma ótima qualidade gráfica.

A história se passa na cidade de San Fransokyo, uma referência os polos de desenvolvimento tecnológico São Francisco (EUA) e Tokyo (Japão). A referência japonesa também pode ser percebida nos traços dos desenhos, principalmente, das figuras arquitetônicas. De forma geral a união das duas cidades fica clara não só no nome, mas no cenário como um todo.
A tecnologia é parte fundamental do background da trama. É ela que move a cidade. Além de ser a grande paixão dos irmãos Hamada e o que torna possível para um grupo de cinco nerds se tornarem super heróis.
Apesar de Big Hero ser um filme de origem o ritmo da narrativa é excelente para passar as características e diversidades entre os personagens sem cair em um tom monótono. É interessante observar como é a personalidade de cada personagem em sua vida comum, como isso se reflete nas identidades deles como super heróis e a forma como cada um contribui para o trabalho em equipe.
O filme pode ser considerado uma homenagem a cultura pop em geral. As referências estão na cidade, nas falas dos personagens, nos robôs, nas lutas clandestinas, nos projetos desenvolvidos pelos personagens e no quarto de quadrinhos de Fred. É possível contar mais de 23 easter eggs. Um deles inclusive mostra Stan Lee no quadro de família na casa de Fred.
A parte emocional da animação fica por conta de Cayman, o robô criado por Tadashi para auxiliar no tratamento médico e quem dá um apoio inesperado para Hiro em um momento difícil.  O carismático robô conquista por sua simplicidade e simpatia. Ele é o responsável pelas maiores cenas cômicas e emocionantes do filme. Operação Big Hero tem uma história realmente sensível, sensata, radical e inteligente
Em contra ponto, a animação dirigida por Graham Annable e Anthony Stacch aposta na maneira mais clássica de fazer cinema em stop-motion, seguindo a mesma linha de filmes como A Noiva Cadáver e Caroline e Mundo Secreto, da mesma produtora.


The Boxtrolls é recheado de referências artísticas. O expressionismo alemão fica evidente na estrutura dos cenários distorcidos e em planos abertos das ruas da cidade de CheeseBrigde, onde, como em O Gabinete do Doutor Caligari e Nosferatu, parece terem sido pintadas em uma lona. Percebemos isso também nas sombras, nos dedos alongados dos personagens, na deformidade das calçadas e nas propositais cenas de mal gosto, como quando o vilão é atacado por sanguessugas após ter ingerido um tanto de queijo e ter ficado inchado devido uma reação alérgica.
Trata-se de uma cômica fábula, adaptada do livro Here Be Monsters!  que se desenrola em uma afetada cidade obcecada por status e pelo fétido cheiro dos queijos de excelência. Sob as suas ruas habitam os “Bichos das Caixas” (título em tradução livre), abomináveis seres que rastejam à noite para fora das sarjetas e roubam o que os habitantes da cidade mais amam: as crianças e os queijos.
Pelo menos é esta a lenda em que os moradores sempre acreditaram. Na verdade, os Bichos das Caixas são uma comunidade peculiar, adorável e excêntrica, que habita as regiões subterrâneas, e que se vestem com caixas de papelão recicláveis, da mesma forma como as tartarugas usam seus cascos para se protegerem.
Os Boxtrolls, assim como em Oliver Twist, discutem os paradigmas sociais, onde criaturinhas indefesas são vítimas de maus tratos e vistos com maus olhos pelos moradores. Diferente das animações mais modernas, aquelas de muitas cores e movimentos rápidos, jornadas do herói bem marcadas, o longa-metragem da Laika traz um humor ácido e amedrontador, deixando a classe juvenil talvez entediada e seus pais perplexos. Está bem longe de ser um desenho leve para crianças assistirem nas férias. No entanto, cairia muito bem com uma première de Halloween.

Por Ewandro Pallottini                                                                          
Mariana Rodrigues
Matheus Antônio Soares Araújo