sexta-feira, 16 de maio de 2014

ONDE FICA A CASA DO MEU AMIGO? (Khane-ye doust kodjast?, 1987)


Ano produção: 1987
Direção: Abbas Kiarostami
Duração: 83 minutos
Gênero: Drama
Países de Origem: Irã
Elenco: Babek Ahmed Poor, Ahmed Ahmed Poor, Kheda Barech Defai

O filme abre com um longo close em uma porta de ferro azulada e o tagarelar de crianças como trilha sonora. O diretor Kiarostami, já nos créditos iniciais, prepara o caminho para um ensaio visual de ritmo lento sobre o cotidiano de uma pequena aldeia no interior do Irã.
Depois de alguns minutos o professor entra na sala, e, rigoroso, pede para ver os cadernos de todos os alunos para que possa corrigir as lições de casa uma a uma. Quando chega a vez de Mohamed Reda Nematzadeh (Babek Ahmed Poor), porém, o mestre dá um grito ao descobrir que o pequeno fez seus deveres numa folha de papel. Querendo se desculpar, Mohamed explica que tinha esquecido o caderno na casa do primo que mora longe e por isso ficara impossibilitado de ir buscar. Mesmo explodindo em lágrimas doídas, o professor é irredutível: rasga a folha de papel e ameaça expulsá-lo caso esqueça de trazer o material correto novamente. Tomadas de câmera simples, mas efetivamente bem colocadas, constróem uma forte tensão dentro da classe.
Este filme é a razão pela qual eu me tornei viciado em cinema iraniano. Ele abriu meus olhos para um estilo exclusivo de histórias visuais de enredos simples, mas cheios de detalhes substanciais.
Agora imaginem a consternação de Ahmad (Ahmed Ahmed Poor) quando ele chega em casa e descobre que, ao se esbarrar com Nematzadeh na saída da escola, trouxe por engano o caderno do pobre com ele. Ele então decide encontrar o coleguinha para devolvê-lo, caso contrário o mesmo sofrerá uma punição severa do professor. No entanto, dois grandes obstáculos o impedem: Mohamed mora em uma casa desconhecida em uma aldeia distante, e sua mãe o proíbe de sair. Tenta por diversas vezes convencê-la de quão sério o castigo seria se não devolvesse, mas não ciente da gravidade da situação a mãe se recusa. Angustiado, Ahmad se agarra a oportunidade de ir comprar pão para procurar a casa de seu amigo. É então que a busca benevolente começa, e suas únicas referências são o nome da aldeia vizinha e o de seu colega de classe.
A pesquisa faz dele um pequeno herói que arrisca uma punição de seus pais ao não trazer o pão e desaparecer de repente, tudo devido a um ato de consideração. Com ele, podemos passar de porta em porta, ele pedindo às pessoas que o ajudem. Em cada parada Ahmad vai construindo sua jornada e adquirindo informações. Nós, o público, tememos pelas palmadas que o menino levará ao retornar ao seu lar. Não só isso, mas tememos também que algo de muito pior aconteça. Em pouco tempo, nos encontramos aflitos, sem nunca sabermos o que iremos encontrar no próximo beco. Neste vai-e-vem, compartilhamos um cotidiano pacato de pessoas simples e de como estas sobrevivem ao longo do dia. Também encontramos outras crianças, todas envolvidos em tarefas familiares, carregando barris de leite mais pesados do que elas, com determinação e um enorme sendo de responsabilidade - tal como acontece com a maioria dos filmes iranianos, aspectos da vida familiar são representados de maneira bem realista. No caso de Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, é interessante assistir o contraste entre os valores modernos do rapazinho de oito anos e os valores tradicionais dos adultos. Cada um espera algo diferente: o avô, por exemplo, lembra dos velhos tempos e deseja que eles voltem, afirmando que os jovens de hoje em dia se afastaram dos eixos disciplinares; o professor quer que todos os seus alunos façam primeiro a tarefa de casa e só depois cumpram com o trabalho doméstico. Com humor sutil, Kiarostami mostra a mãe em conflito contínuo com suas expectativas sobre o que quer para o filho, exigindo que Ahmad se concentre em alimentar o irmão menor e fazer a lição, tudo ao mesmo tempo. O filho, porém, não reclama. Aliás, tem uma carinha meiga, voz mansa e a tudo diz sim.
Quando tudo parece estar perdido, ninguém consegue notá-lo e já é noite, o desesperado Ahmad finalmente recebe a ajuda de um homem velho. Ironicamente, a idade do cavalheiro e seu caminhar vagaroso faz dele mais uma dificuldade do que um auxílio, mas sua vontade de se envolver com a criança faz a sua perambulação pelas ruas sombrias e labirínticas ainda mais extraordinária. Ao invés de aparecer como um sinal de empatia, o velho homem age como um guia divertido.
Mais tarde, enquanto ainda procuram a casa em questão, o idoso fabricante de portas arranca do chão uma florzinha, dá ao garotinho e lhe diz: "Ponha isso no caderno do seu amigo.”
Kiarostomi deixa o público interpretar o significado da flor. No meu ponto de vista, a flor simboliza a lição aprendida por Ahmad, uma confirmação de que algo nele mudou, aflorou. O velho pôde enxergar a bondade e a boa vontade do menino e, talvez se baseando numa tradição regional, a entrega como se aquilo representasse algo relacionado a amizade ou gentileza. Onde Fica a Casa do Meu Amigo? nos mostra, do ponto de vista de uma criança, o valor dos pequenos gestos que estão se perdendo, como a fato de não mais nos preocuparmos com o semelhante de forma verdadeira.
A câmera algumas vezes para de filmar o protagonista e mira nos moradores da aldeia, adentrando seus lares ou acompanhando diálogos pela metade, como se o espectador fosse um forasteiro de passagem. E os atores miúdos interpretam tão bem! Os personagens, a forma como lidam com o dia-a-dia, os silêncios, os planos básicos e o contato constante com a natureza fazem com que tudo no filme se converta em suave poesia.

NOTA DO CLUBE: 10/10! 

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