quarta-feira, 30 de abril de 2014

ELA (Her), de Spike Jonze (EUA, 2013)


Título Original: Her
Gênero: Comédia/Drama
Direção: Spike Jonze
Roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Amy Adams, Scarlett Johansson, Rooney Mara, Kristen Wiig, Lynn Adrianna, Lisa Renee Pitts, Gabe Gomez, Chris Pratt, Artt Butler, Bill Hader, Spike Jonze, Brian Johnson, Matt Letscher, Olivia Wilde, David Azar, Melanie Seacat, Pramod Kumar e Evelyn Edwards
Produção: Chelsea Barnard, Megan Ellison e Natalie Farrey
Fotografia: Hoyte Van Hoytema
Montador: Jeff Buchanan e Eric Zumbrunnen
Trilha Sonora: Owen Pallett
Ano: 2013
País: Estados Unidos

A nostalgia e o distanciamento invadem uma sociedade futurista, onde as emoções deixam de ser tão realistas como deveriam. Ela (Her, no original) é uma dura porém poética crítica social ao modo como o ser humano se relaciona com a tecnologia e, cada vez menos, com seu semelhante.
Numa Los Angeles futurista, Theodore é um homem triste que ganha a vida escrevendo cartas pessoais para os outros. Desmotivado após o fim de um longo relacionamento amoroso, Theodore fica intrigado com um novo sistema operacional, o OS, que promete ser uma entidade intuitiva, uma inteligência artificial que pensa e que cria “verdadeiros” laços de afeto com seu dono . Quando instala o programa, nosso protagonista fica encantando ao conhecer Samantha, uma voz feminina perspicaz, sensível e divertida, que lhe parece muito real. À medida que as suas necessidades e desejos evoluem em sintonia com os de Theodore, esta amizade se transforma numa espécie de romance.
Ela, no entanto, não é simplesmente uma história de amor. É muito mais uma história de seres humanos que deixaram de ser capazes de lidar com emoções reais. No futuro idealizado por Spike Jonze, o diretor, a solidão invade todos os espaços. São raras as conversas entre amigos, colegas, vizinhos, é raro o olhar para o outro, a sociabilização é quase nula. As atenções se concentram nos aparelhos eletrônicos, tão evoluídos que já nem precisamos tocar, basta falar, ordenar um comando por pensamento. As roupas e ambientes coloridos entram em contraste, ironicamente, com o sentimento verdadeiro. Visualmente, o filme é muito lindo, com uma fotografia que invoca os filtros do Instagram. Talvez propositalmente.
Um filme atual, necessário, que expressa nossa atual realidade. As pessoas cada vez mais distantes uma das outras, presas em seus complexos smartphones, vazias ou recheadas de depressões ou síndromes de ansiedade. 
Joaquin Phoenix nos oferece uma interpretação surpreendente. O ator se entrega a um solitário, romântico, deprimido, refém da tecnologia e com dificuldades imensas em sociabilizar. O seu emprego revela um lado sensível e sentimental, ao mesmo tempo que prenuncia a relação pouco saudável e irreal que desenvolve com Samantha. Phoenix transpira sensibilidade e uma terrível timidez.

Como será o futuro? Um futuro pouco feliz, e com uma monstruosa dependência sentimental das máquinas. Que essa película nos sirva como alerta para valorizarmos as emoções reais. Vai que uma Samantha chega e bata na sua porta. Ou melhor: no seu computador. 

NOTA DO CLUBE:  9,0.

terça-feira, 29 de abril de 2014

DENTE CANINO (Kynodontas / Dogtooth)


Gênero: Drama
Direção: Giorgos Lanthimos
Roteiro: Efthymis Filippou, Giorgos Lanthimos
Elenco: Aggeliki Papoulia, Anna Kalaitzidou, Christos Stergioglou, Hristos Passalis, Mary Tsoni, Michele Valley
Produção: Yorgos Tsourgiannis
Fotografia: Thimios Bakatakis
Duração: 94 min.
Ano: 2009

A situação é bem simples, mas não imediatamente perceptível. Começamos, aliás, por uma cena em tom de poesia de forma absurda: três crianças, ou melhor, três jovens adultos (um rapaz e duas moças já beirando seus trinta anos), num ambiente muito branco e organizado, ouvem uma espécie de "dicionário gravado”. Cada palavra propõe uma definição errônea mas, em alguns casos, estranhamente bonita – ficamos dessa forma sabendo que naquele universo, por exemplo, uma carabina é "um belo pássaro branco" e zumbi uma “pequeninha for amarela”.
O que se passa, na verdade, é que um homem grego de negócios decidiu criar e manter os seus três filhos numa "caverna" protegida do exterior. A caverna é a casa, e o exterior é o mal absoluto, o perigo constante, a ameaça total. Um mundo de ficção separado por um altíssimo muro. O pai ensina o que quer aos pequenos, mas a situação vai saindo pouco a pouco do controle assim que os próprios começam a fazer perguntas cada vez mais perigosas e dúvidas comuns começam a lhes pipocar as cabeças. Essas brechas que se abrem na relação dos trancafiados batem de frente com o “regime” imposto. Se abrem pelo desejo (o sexo, que começa sendo "organizado" e convencional, vai se tornando "desregulado"), pela curiosidade (de ver o que está lá fora), pela vontade (de serem independentes) e pela dúvida (de que as palavras não significam de fato aquilo que dizem). Um filme sufocante, pesado, que discute a família e as hipóteses. A força da sua descontrolada humanidade virada contra a educação e as regras. O instinto fala sempre mais alto.

O segundo longa-metragem do grego Yorgos Lanthimos venceu Un Certain Regard em Cannes 2009 e vem acumulando vários prêmios pelo mundo. Imperdível é pouco!


NOTA DO LANTERNINHA: 10!!!

MINHA IRMÃ (L'enfant d'en Haut), de Ursula Meier (França/Suíça, 2012)


Diretor: Ursula Meier
Elenco:
Léa Seydoux, Kacey Mottet Klein, Martin Compston
Roteiro:
Antoine Jaccoud, Ursula Meier
País de Produção:
França/Suíça (2012)
Tempo de Duração: 100 minutos
Classificação:
Não recomendado para menores de 14 anos
Gênero:
Drama

“Por que você rouba?”, pergunta um chef de cozinha irritado ao encontrar Simon (Kacey Mottet Klein) roubando equipamentos de esquis na despensa do restaurante. Inquietantemente imperturbável, o menino Simon dá de ombros: “Não sei. Para comprar coisas. Papel higiênico, leite, pão.”
Situado nos Alpes Suíços, “Minha irmã” conta a história de um garoto que, vivendo com a irmã mais velha (porém mais irresponsável) com quem divide um apartamento no subúrbio, sai de casa todas as manhãs e sobe até a luxuosa estação de esqui quilômetros acima, tudo por meio de um teleférico. Lá ele rouba equipamentos caros dos turistas que visitam o local para depois vendê-los para as crianças do seu bairro. Desse modo, vai fazendo negócio e resolvendo as necessidades diárias de seu lar. Não há notícias do que acontecera com seus pais.
Durante os furtos que pagam  até mesmo as roupas da irmã que chega a ficar dias sem aparecer em casa, Simon usa óculos escuros e se mistura casualmente com os clientes da classe alta. No “mundo abaixo”, trata dos equipamentos com cera e outros artifícios para deixar tudo com melhor aparência e poder vender com mais facilidade.
A descrição desta economia paralela de um pré-adolescente é o ponto mais forte do filme, e isso a diretora Ursula Meier faz com extrema delicadeza em suas cenas tocantes. Outra coisa que chama atenção é a lentidão das cenas, mas por vezes necessária para mostrar a vida arrastada daquele garoto e sua solidão, mesmo quando o falatório e alegria dos turistas estão em evidência.
O cenário exprime-o perfeitamente, como mostrador da miséria e da relação entre pobres e ricos, separados não por uma favela ou coisa do tipo, mas por um monte; exprime-o também pela imensidão branca e luminosa do topo, oposta à penumbra que é o território natural do pequeno ladrão. Todas as cenas com o menino em ação, apanhando skis, mochilas, protetores, fazendo as suas negociações, ou ainda mantendo relações com alguns dos turistas que futuramente serão furtados, são impecáveis. Ele soa como um aprendiz de batedor-de-carteira descobrindo suas habilidades e se orgulhando disso, tornando o roubo como compulsão além da necessidade.
A relação com a irmã é dolorida, vazia e distante como a montanha branca. A história inteira é. Pessoas esperando pelo florescer da primavera de suas almas.


NOTA DO LANTERNINHA: 9,0.

 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

FESTIM DIABÓLICO (ROPE), de Alfred Hitchcock.

Na cidade de Nova York, Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger) assassinam seu amigo David, por considerarem-se superiormente intelectuais em relação a ele e para provar a si mesmos que podem cometer o crime perfeito. Com toda a frieza e arrogância, resolvem esconder o cadáver em um grande baú, que servirá como mesa e estará exposto no meio da sala de estar do apartamento deles, durante uma festa que realizarão logo em seguida para os amigos e a família. Para quem adora filmes baseados em fatos reais, aí está uma ótima opção.
A história de Festim Diabólico foi inspirada no caso Leopold-Loeb, em que dois estudantes da Universidade de Chicago cometem um assassinato de forma bem parecida com a mostrada no filme.
Visando um longa de ações quase interruptas, Hitchcock promove uma narrativa quase que inteira em planos-sequência e longas tomadas (claro que há alguns cortes perceptíveis escondidos), levando a experiência de Festim Diabólico a algo próximo de uma peça teatral. A trama centra-se no jogo sádico de dois assassinos misturados juntos a uma grande festa que – logo após enforcarem o convidado principal – testam a inteligência e capacidade de seus participantes. 



Uma curiosidade da trama é a suposta homossexualidade de Brandon e Phillip. Há quem diga que os dois assassinos que inspiraram a trama do filme eram gays e que o roteiro teria se aproveitado deste fato ao dar uma nova roupagem para a história, fazendo-o, porém, de uma forma sutil, quase imperceptível. Isto não é comprovado, e nem há qualquer menção a respeito durante todo o transcorrer da narrativa, mas há quem note este teor.
Este filme é um marco da carreira do mestre do suspense Alfred Hitchcock e da história do cinema mundial. É esplendoroso, tenso, instigante e merece ser visto.

NOTA DO LANTERNINHA: 8,5.